Na linha do que se extrai do art. 6º da Lei 11.101/2005 (“LRF”), um dos efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial será o de suspender as execuções em curso em face da empresa requerente. A suspensão, por sua vez, perdurará por 180 (cento e oitenta) dias, podendo haver a prorrogação do dito prazo, por igual período, nos termos da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
Em outras palavras, a decisão que defere o processamento da recuperação judicial pode ser crucial para a manutenção da empresa, isto sob a perspectiva de que o seu efeito imediato conferirá um fôlego momentâneo ao caixa da empresa de até 360 (trezentos e sessenta dias), sem a ocorrência de penhoras súbitas, arrestos etc.
Ocorre que, assim como em toda ação, o requerimento da recuperação judicial pressupõe a observância de diversos requisitos de admissibilidade processual, tanto aqueles mais óbvios previstos no Código de Processo Civil (endereçamento, qualificação, exposição da causa de pedir e pedidos etc.), quanto de exigências específicas previstas na LRF.
Na prática forense, o que se tem observado é o ajuizamento reiterado de pedidos de recuperação judicial, sobretudo por força do conturbado cenário político econômico vivenciado nos últimos anos. E em tal ponto, reside o problema da praxis: um crescente número de petições iniciais de recuperação judicial que não atendem aos requisitos específicos previstos na LRF. Os equívocos mais comuns são relativos (i) à exposição clara sobre a crise financeira da empresa; (ii) aos documentos contábeis devidamente organizados de acordo com as normas técnicas contábeis; (iii) a correta identificação dos credores, classes e passivo; e, (iv) aos diversos documentos específicos e comprobatórios contidos nos artigos 48 e 51 da LRF, que possuem relevância na fase de avaliação do plano pelos credores.
Muito embora pareça de “fácil” interpretação e organização, os referidos dispositivos legais demandam não somente um controle documental, mas também a necessária observância da prática forense e das constantes modificações interpretativas dos Tribunais Pátrios.
Com isso, tem-se verificado cada vez mais decisões interlocutórias impondo a emenda da Petição Inicial (leia-se: a correção). Em algumas ocasiões, a dificuldade de entendimento é tamanha que os Magistrados optam por nomear um assistente com capacidade técnica para realizar análise prévia dos documentos, especialmente contábeis, e da real situação das atividades da empresa. Ao trabalho desenvolvido pelo dito assistente, têm sido atribuídos diversos nomes, a exemplo de “Parecer de Perícia Prévia”, “Laudo de Constatação Preliminar” ou, o que nos parece mais adequado, “Relatório Preliminar de Análise Técnica”.
Isto é, a falta do especial cuidado necessário na formulação de pedido recuperacional, com tão grave impacto social e financeiro, termina por gerar insegurança aos Magistrados para deferirem o processamento da recuperação judicial. O problema disso é o tempo, pois o mesmo é escasso para uma empresa que está em dificuldade financeira. E o que é mais grave, dado o caráter público do processo, eventuais credores que tomarem conhecimento do pedido de recuperação ainda não deferido, podem demandar judicialmente atos de constrição, causando ainda mais dificuldades para a empresa que já se encontra em crise.
Isto porque, entre o período em que a petição inicial defeituosa/incompleta passa pela sua primeira análise e é proferida a decisão de emenda ou de nomeação do assistente, tempo relevante haverá transcorrido. E mais: as execuções continuarão em curso e o devedor estará sujeito aos mais variados tipos de constrições patrimoniais previstos no ordenamento jurídico.
Como é sabido, o tempo para a empresa em dificuldade financeira é crucial, e pode definir a sua sobrevivência no mercado ou a sua quebra definitiva. Daí porque é fundamental um maior cuidado no ajuizamento do pedido de recuperação judicial, pois o mínimo equívoco na compilação de dados e exposição da fundamentação pode ocasionar a postergação do processamento da recuperação judicial, com severas consequências para as empresas que se encontram com o caixa estrangulado.
Salvador/BA, 04 de dezembro de 2018.
Fausto Kupsch Filho
Advogado.